“Coisa boa ver o teu rosto e saber como tu é. Tu parece um anjo”, foi o que a enfermeira do Hospital Conceição, Daniela Haygert, escutou ao entrar no quarto de uma paciente com coronavírus. Mesmo com todos os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), ela identificou Daniela pelo crachá personalizado que a enfermeira carregava.
A paciente ainda agradeceu pela identificação e complementou “que bom que vocês estão de crachá. Porque também conheci o rosto da técnica que está me cuidando.”
A ação ocorre de maneira independente nos Hospitais Conceição e Clínicas, em Porto Alegre. Os profissionais da saúde das unidades decidiram mostrar aos pacientes os rostos atrás dos equipamentos de proteção, para humanizar e tentar amenizar uma situação tão difícil.
Além disso, os itens facilitam para a identificação entre os próprios profissionais, que com tantos aparatos não conseguem mais reconhecer os colegas de trabalho. Os crachás trazem uma foto grande, o nome e a função de cada profissional.
“A gente que está no isolamento ali com os pacientes de Covid, dentro da UTI, usamos Equipamentos de Proteção Individual que tu não consegue identificar as pessoas. Tem a máscara N95, mais um capacete, a toca. Tu não consegue identificar os profissionais”, aponta a enfermeira do Hospital Conceição, Daniela Haygert.
Daniela destaca que os pacientes, que mantém contato apenas com os profissionais da saúde, se sentem mais seguros por saberem quem é a pessoa que cuida deles diariamente. O objetivo é ir além de apenas um tratamento médico com medicações, mas também pensar no psicológico do paciente.
“Se eu estivesse naquele lugar, de qualquer um daqueles pacientes, gostaria de saber quem é aquela pessoa que está me cuidando. Conhecer um pouquinho do rosto daquela pessoa. Como não pode ter visita, eles sentem, quando estão acordados e mais lúcidos, eles começam a sentir muita falta da família, de ter contato com os seus familiares. Então acho que nesse momento se faz importante o crachá. Eles verem que nós somos pessoas iguais a eles, que a gente está ali para cuidar deles para que eles fiquem bem”, destaca Daniela.
A produção dos crachás é feita por uma médica do próprio hospital, que foi a primeira a adotar o uso na unidade e inspirou Daniela.
“Imprimir um rosto para o cuidado”
No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) a ação também foi feita pensando que, junto com a proteção que oferecem, os EPIs acabam tirando a identificação dos profissionais. Além do cuidado e do afeto com os paciente internados.
“A paramentação é tão completa que faz com que tu perca as referências. A paramentação tira todo o referencial também dos profissionais de saúde. Para além de ser importante para os pacientes, para a equipe da saúde também é muito importante. Eu poder ver aquele colega, saber que a aquele colega está ali. Foi esse impacto inicial que fez com que eu tivesse me interessado em pensar que nós tínhamos que ter alguma alternativa para que o ambiente da UTI pudesse ficar mais amigável”, afirma a psicóloga da UTI do hospital, Rita Gomes Prieb.
A psicóloga destaca que o ambiente das UTI’s já são locais difíceis para os pacientes. E que, ao acordarem da sedação, além de estarem em um ambiente diferente, eles precisaram se adaptar a uma outra realidade.
“Para além de não conhecerem esse ambiente, também não vão conhecer os profissionais. Vão ser várias pessoas que vão chegar para fazer o cuidado com eles, mas vai ser um cuidado que não vai ter rosto. Então eu acho que essa possibilidade de poder imprimir um rosto para o cuidado foi o que mais mexeu comigo”, diz Rita.
A profissional integra o Grupo de Cuidados Centrado no Paciente, composto por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e psicólogos, que pensa em ações de humanização a serem realizadas na UTI do Clínicas. Com a pandemia do coronavírus o trabalho do grupo intensificou.
Os profissionais também têm feito ações para amenizar a falta dos familiares nas unidades.
“Pensamos em uma forma de trazer as famílias, que foi através das videochamadas e também os familiares têm mandado fotos para nós e a gente coloca do lado do leito. Isso tem sido muito legal. É mais um jeito de a gente poder trazer a família para dentro da UTI. Já que ela não pode presencialmente estar ali”, ressalta Rita.
Para a produção dos crachás, os profissionais do HCPA dependem de doações. O objeto precisa ser em um material resistente e uma plastificação especial, para, ao sair da unidade, ser higienizado ao junto com os EPIs.
No hospital, a única exigência para ter o crachá, é estar sorrindo na foto.
“A gente sugere que seja uma foto da pessoa sorrindo, para que ela possa passar algo a mais. Porque quando sorrimos de máscara e EPI, tu não consegue identificar muito bem, só vê que tem um olhinho mais fechadinho. Mas a gente poder oferecer um sorriso para o paciente numa hora dessas, que ele está tão assustado, sozinho, longe da família, é muito confortante. É tão mais amigável tu ver alguém sorrindo. Entendemos que é mais um afeto que estamos podendo passar para o paciente.”
‘Não sabia que a senhora era tão bonita’, escutou de um paciente uma enfermeira que estava com o crachá.
“Isso aconteceu logo que a gente começou a usar. Eles não tem noção que a pessoa que está ali tem mais idade ou é mais nova. Eles ficam imaginando como a gente é. Eles não sabem nada. A gente de toca, todo mundo é igual. É muito difícil ter essas referências. O referencial afetivo que o crachá traz ele tem a ver com isso. Ser cuidado por um rosto que está sorrindo para ele, que ele sabe que está ali disponível fazendo cuidados diários. É o rosto que o cuidado tem que ter”, enfatiza Rita.
Fonte: G1.