lencado como uma das prioridades da nova gestão do Ministério da Saúde, o enfrentamento aos mais de 200 tipos de câncer depende de uma robusta rede de atendimentos no Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar dos desafios para a gestão da saúde pública, a participação da sociedade civil no acolhimento aos doentes é fundamental para um olhar humanizado e tratamento digno para essa parcela da população.
Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) estimam que, até 2025, sejam diagnosticados mais de 700 mil novos casos por ano. “O câncer terá, por razões epidemiológicas e do seu impacto nas famílias, um plano destacado, articulando prevenção, diagnóstico precoce, plano terapêutico integral e monitoramento dos principais tipos de cânceres, em toda a rede disponível no país. Teremos uma Coordenação Geral do Câncer ligada diretamente ao gabinete da Secretaria de Atendimento Especializada”, afirmou a ministra da Saúde, Nísia Trindade, ainda na cerimônia de posse, em janeiro, sobre as diretrizes para o enfrentamento da doença.
Uma abordagem que é capaz de mudar a perspectiva e dar esperança para quem precisa lidar com os medos e receios advindos da identificação positiva de um câncer, como relata Joana Jecker, 46 anos, presidente da Organização Não Governamental (ONG) Recomeçar, fundada em 2014 e que presta apoio a mulheres com câncer de mama, condição que a administradora já enfrentou. Aos 30 anos, realizando o sonho de estudar fora do país, Joana foi diagnosticada com a doença. Longe da família, ela decidiu voltar ao Brasil e encontrou no Sistema Único de Saúde (SUS) o atendimento necessário para chegar ao estágio de remissão da doença.
“Como tenho histórico na família, sempre fiquei muito atenta. Quando recebi o resultado, na Austrália, voltei, para contar com o SUS e estar próxima da minha família. Aqui fiz a mastectomia total (retirada da mama), no hospital Mário Kroeff, no Rio de Janeiro, e fui completamente amparada”, lembra.
A experiência e o tratamento rápido, permitido pelo diagnóstico precoce, fez com que Joana se solidarizasse com outras pacientes e criasse um grupo de apoio que atuasse em colaboração com a rede pública de saúde. “Comecei a fazer abaixo-assinados e manifestações para sensibilizar a opinião pública para a realidade das mulheres com câncer. Assim conseguimos que Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) firmasse uma parceria com o Governo do Distrito Federal para dar celeridade às cirurgias de reconstrução de mama por meio de um mutirão”, conta.
A iniciativa foi tão bem sucedida que o movimento se tornou nacional e, atualmente, mais de 2 mil mulheres já foram contempladas. Por meio da ONG, Joana consegue integrar pacientes atendidas no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), em Brasília (DF), com reuniões de acolhimento, ações de valorização da autoestima, doação de sutiãs adaptados e próteses externas de mama, para mulheres submetidas à mastectomia e que não realizaram a reconstrução mamária, por não desejarem ou não poderem passar pelo procedimento.
Reconhecimento
Cíntia Cerqueira, 47 anos, artesã e paciente com câncer metastático no cérebro e nos ossos exalta a importância dos grupos de apoio, principalmente quando integrados por pessoas que também enfrentaram a doença. “O nome câncer já traduz morte, o tratamento é muito agressivo. Então, quando temos apoio de pessoas que sobreviveram, isso dá esperança de que a gente também vai vencer. Ativa a fé”, afirma.
Com mais de 60 tumores já retirados, Cíntia conta que, durante o tratamento, o contato com outras pacientes em remissão ou em tratamento, lhe ajuda a se reconhecer enquanto mulher. “No caso do câncer de mama, não é só o corpo físico. Afeta a autoestima. Então é mostrar a mulher que há dentro de você”, garante.
Ela lembra que um dos momentos mais marcantes em sua jornada de tratamento foi a primeira vez que conheceu as voluntárias do Projeto Recomeçar. Com tempo e confiança, Cíntia posou para um dos ensaios fotográficos que a ONG faz com as integrantes justamente para valorizar a beleza das pacientes. “Quando a gente se olha no espelho, não tem cabelo, o rosto é de ‘bolacha’, não se reconhece. Aí, de repente, a gente faz uma foto, se olha e se sente bonita. Ali foi um marco, um recomeço diferente, pelo menos comigo. Nas fotos, eu me senti tão mulher quanto antes. Aprendemos a nos amar novamente”, conta, emocionada.
Parceria
Os profissionais de saúde que estão dia a dia na linha de frente também acompanham o trabalho dos grupos e, muitas vezes, cedem espaço nos próprios hospitais como forma de melhorar a rotina daqueles que estão internados, ou precisam fazer visitas periódicas para tratamento. É o que explica o chefe de Oncologia do Hospital de Base do Distrito Federal, Daniel Girardi. “Temos essa parceria com alguns grupos, como a Rede Feminina de Combate ao Câncer. Concedemos espaços dentro do hospital, onde os voluntários podem dar apoio, prestar orientações aos doentes e familiares. Muitas vezes eles promovem ações solidárias, como corte de cabelo, doação de cestas básicas, mobilizam assistentes sociais e psicólogos que fazem atendimentos gratuitos, o que é muito importante”, explica.
Além do trabalho de assistência, a própria movimentação e eventos feitos pelos grupos, como a comemoração de datas especiais e atividades lúdicas, melhoram autoestima e ânimo de quem enfrenta a jornada de cuidados oncológicos. “Nós vemos como impacta positivamente os pacientes, essa rede de acolhimento. Às vezes eles chegam muito cedo, não tiveram tempo para se alimentar, e encontram voluntários doando café da manhã, por exemplo. Eles se sentem amparados. Dentro da oncologia procuramos nos aproximar dessas iniciativas, sempre no sentido de fazer o melhor para os pacientes”, destaca.
O Inca, desde 1950, conta com o apoio do trabalho voluntário, à época com campanhas de mobilização para arrecadar fundos para ajudar os pacientes do instituto. De lá pra cá, o trabalho cresceu e continua sendo muito importante, seja para os pacientes ou para as próprias pessoas que se dispõem a realizá-lo. A colaboração proporciona um aprendizado mútuo, calcado em valores como altruísmo e solidariedade.
Interessados em conhecer mais sobre o projeto no Instituto Nacional de Câncer, devem procurar o INCAvoluntário, Área de Ações Voluntárias do Instituto, que além de receber doações destinadas aos pacientes em tratamento, coordena a prestação de diversos serviços executados voluntariamente. Em 2022, o INCAvoluntário beneficiou 5.728 pacientes em tratamento no Inca e que se encontravam em vulnerabilidade social.
Fonte: Ministério da Saúde